InovarAuto: o debate em torno do conteúdo nacional

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(Fenabrave) – Quando o assunto a tratar é a regulamentação do Decreto 7819, que define o Inovar-Auto, existe um verdadeiro silêncio de rádio no tratamento público das questões envolvidas. Nos bastidores, no entanto, há uma efervescência de pontos de vista em jogo e embates de causar inveja aos programas de lutas vale-tudo da TV. Um dos temas em pauta, que provocam arrepio no Sindipeças, a entidade dos fabricantes de componentes automotivos, é a rastreabilidade das peças que serão utilizadas na montagem local dos veículos. 

Se grande parte do Inovar-Auto se baseia na promessa de utilizar peças fabricadas no Brasil para a fabricação de veículos, é preciso assegurar que os itens que chegam às montadoras têm certificado de procedência ou um atestado de origem e DNA. Técnicos experientes asseguram que é extremamente difícil estabelecer uma trajetória clara desses componentes pela região do Mercosul, colocando em dúvida qualquer certificado de conteúdo local pelos critérios atuais. 

Não é difícil entender o ceticismo. Peças asiáticas e de procedência duvidosa circulam nos países vizinhos, e até no Brasil, indo fazer parte de sistemas que, com alguma facilidade, ganham o atestado de nacionais. Avaliações do Sindipeças já mostraram que, com menos de 10% de peças fabricadas no Brasil, um sistema ganha o carimbo e certificação de procedência local. 

Até agora o atestado de procedência é obtido junto à Fiesp, que se limita a emitir os documentos cumprindo o que determina a frágil legislação pertinente. Se isso acontece no Brasil, não é difícil imaginar com que facilidade os interessados conseguem uma carimbada nos países vizinhos para esquentar muambas. Em um segundo passo, as peças originárias de trambiques atravessam a fronteira do Brasil, indo parar em sistemas e veículos. 

Os sistemas montados no País constituem a principal ameaça ao sucesso do Inovar-Auto como um instrumento de produção nacional. E continuarão sendo se a história da rastreabilidade não emplacar um final feliz. No Sindipeças o assunto pega pesado, porque há fornecedores de peças ao lado de fabricantes de sistemas. A harmonia nas negociações certamente não é um ponto forte na hora de discutir certificados de origem e conteúdo nacional. A ameaça que fica, como o próprio sindicato já advertiu, é uma “cecaderização” da produção local com a ajuda de uma frágil legislação do Inovar-Auto e a falta de auditoria com autonomia para operar no Mercosul. 

MODELAGEM

A modelagem da rastreabilidade está sendo feita pela consultoria IHS, sob a coordenação da ABDI, a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, e deverá tratar também da habilitação excepcional que vigorará até março de 2013. A tarefa deve contar com análise quantitativa e qualitativa das etapas de fabricação e pode ser qualificada como hercúlea. Sob um ponto de vista mais simples, devem ser definidos os componentes que são mais importantes para a modelagem da rastreabilidade. É preciso estabelecer, também, qual o papel e a contribuição do Inmetro nos levantamentos. 

Tanto quanto técnicas, as decisões do Ministério do Desenvolvimento, apoiadas pela Fazenda e Ciência e Tecnologia, serão políticas, envolvendo interesses de montadoras, sistemistas, fabricantes de autopeças, representantes de outras entidades setoriais e prestadores de serviço. As mudanças previstas no acordo automotivo com a Argentina, Uruguai e Paraguai podem representar uma boa oportunidade para eliminar, ou pelo menos restringir significativamente, as burlas aos requisitos do certificado de origem de componentes. Aparentemente, será a montadora quem solicitará o referido atestado e uma possível auditoria, o que representa uma relação privada, sem interferência do governo. 

ADIAMENTO

As montadoras pedem a postergação da rastreabilidade por dois anos, pulando 2013 e 2014, que é ano eleitoral. Elas alegam que não possuem um sistema adequado para levar adiante as verificações e poderiam ocorrer apenas estimativas. A possibilidade assusta boa parte dos associados do Sindipeças, que tratarão de fazer pressão em Brasília de alguma forma. 

A habilitação provisória de montadoras dentro das regras do Inovar-Auto é outro assunto que preocupa seus fornecedores. Como serão valorizados os itens de fabricação cativa, perguntam eles. Como auditar as autocertificações, especialmente em países vizinhos, já que uma auditoria externa contratada aqui não terá ação sobre fornecedores no exterior? O produto argentino será considerado brasileiro? Quais serão, por outro lado, itens levados a uma lista de exceção para efeito do conteúdo local? 

Caberá ao governo, montadoras e autopeças levar adiante o debate sobre essas questões no interesse assegurar credibilidade ao Inovar-Auto, enquanto se cumprem as promessas de fabricar carros com peças brasileiras. 

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